UHF : Julho, 13

Rock / Portugal
(1990 - Edisom)
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Letras

1. INTRO

(Instrumental)


2. NOVE ANOS

Nove anos é tanto tempo
passei a correr por aí,
Com uma guitarra bandoleira
espalhando cinzas pelo país.

Conheci gente de todo o lado
floresta minha uivando sem parar,
E outra gente daqui bem perto
armas escritas surdas a matar.

Há nove anos soltei amarras
Em nove anos peguei de caras, peguei de caras.

Mordi nos sorrisos mais estridentes
hotel à noite outra cidade,
Entrei pelos olhos mais descarados
fácil de mais para ser verdade.

Senti o medo à beira do palco
olhei a cor da provocação,
Armei cantor esse pateta
a glória da vida é uma canção.

Há nove anos soltei amarras
Em nove anos peguei de caras, peguei de caras.

Caí no cerco caí a fingir
a velha história de camas desfeitas,
Molhei a espera do ouro do whisky
um cabotino que o ódio espreita.

Em nove anos corri sem parar
com as raízes fora da terra,
Diverti-me assim sem ligar
a morte cínica de uma fera.

Há nove anos soltei amarras
Em nove anos peguei de caras, peguei de caras,
Há nove anos.


3. ESTE FILME

Marionetas de pau santo
num bailado quase louco,
Personagens por um fio
portugueses sem confronto.

Um intruso dois heróis
e uma feia muito bela,
Um enredo que nos mói
prisioneiros nesta tela.

O filme é, o filme é
Aguentar sempre de pé.

E as cinzas do império
tão humildes a preto e branco,
Usurpadas à mão cheia
no silêncio do rebanho.

Com a fauna a entoar
cantos cisne pela noite,
Extravagâncias que nos sobram
como risos de coiote.

O filme é, o filme é
Aguentar sempre de pé.

Esta raiva que eu sinto
no silêncio que ecoa,
Esse ódio tão passivo
tão sublime que sufoca.

Este filme dia a dia
a morrer entre mãos,
Esta glória empoeirada
fado velho da nação.

O filme é, o filme é
Aguentar sempre de pé.


4. JORGE MORREU

Ele andava por aí
como tu e eu andávamos,
Queimando um cigarro
queimando os nervos.

Nevoeiro no cérebro
num bailado de fantasmas,
Entre o frio e o zelo
e a importância dos notáveis.

Jorge morreu, Jorge Morreu.

Ele tinha a tua cara
ele tinha a minha cara,
Ele era ninguém
que a vida desafiava.

Jorge um dia passou
à frente da ventania,
Entoando o refrão
e uma velha melodia.

Jorge morreu, Jorge Morreu.

Jorge, Jorge, onde estás? Onde estás?
Jorge, Jorge, onde estás? Onde estás?
Quem te matou?

Deixou a cidade
subiu à montanha,
Entrando na paisagem
onde um homem se amanha.

Jorge parou
os ponteiros da vida,
Mergulhando os olhos
no mar de água fria.

Jorge morreu, Jorge Morreu.


5. NA TUA CAMA

Na tua cama
onde as horas se consomem,
Na tua cama
fui de rapaz até homem.

Mexendo lençois nos poemas
bebendo aos poucos sem pressa,
Abriste-me o teu abrigo
ficarei preso contigo.

Na tua cama, na tua cama.

Na tua cama
houve murmúrios de ondas,
Na tua cama
o brilho da lua nas águas.

O cheiro do corpo é quente
a ânsia que faz o instante,
Tomar conta de nós
palavras tantas sem voz.

Na tua cama, na tua cama.

E se algum dia nos afastarmos
é porque o jogo não pode durar,
E se algum dia nos encontrarmos
é a vida que eu quero desafiar.

Na tua cama, na tua cama
Na tua cama.


6. NOITES LISBOETAS

Começas num copo
talvez de cerveja,
Sentado à mesa
entrando na conversa.

Mulheres que chegam
por entre gargalhadas,
Um brilho nos olhos
e um vazio na alma.

Noites lisboetas
de histórias acesas,
Os bares estão cheios
segurando as presas.

Quartos alugados
ilhas de pouca luz,
Dá-me noites sentinelas
e vómitos de verde cru.

Noites lisboetas
de porta em porta,
Noites lisboetas
fantasmas à solta, à solta com rédeas.

Há um ser empoleirado
nas pernas de um juiz,
Tentando escapar
às misérias do país.

Amores num carro
num parque deserto,
Tapando a boca
dois gritos em seco.

Noites lisboetas
de porta em porta,
Noites lisboetas
fantasmas à solta, à solta com rédeas.

O sorriso é cínico
nas rugas do asceta,
Entre o whisky e o degelo
rio azul em folha branca.

E o mundo refaz-se
e o álcool já sobe,
Trocam-se beijos
nessa mesa de homens.

Noites lisboetas
de porta em porta,
Noites lisboetas
fantasmas à solta, à solta com rédeas,
Lisboa, Lisboa, Lisboa.


7. SONHOS NA ESTRADA DE SINTRA

Poisa o teu braço no meu
ajuda-me a seguir,
Ao virar esta esquina
há um paraíso por descobrir.

Não quero que assistas a esta lenta bebedeira
porto-me como uma criança faminta,
Vem embriagar-te comigo à beira
ah, de um barco, copo de absinto.

Mas dança, dança, dança p'ra mim
Dança, dança p'ra mim
À noite, esta noite.

Chegou o momento de parar a farsa
estou farto de conduzir este animal,
Sincero - dizem - no uso da palavra
fotografia - página - jornal.

E se este for o teu sonho
a brisa do tempo mais secreto,
O sonho rasga as entranhas
e os chacais já andam muito perto.

Mas dança, dança, dança p'ra mim
Dança, dança p'ra mim,
À noite, esta noite.

O assassino ergueu-se das trevas do sucesso
e conduziu um carro azul por entre círculos de mulheres,
E esse assassino eras tu
roçando o imenso - quente - prazer de provocar.
Esse assassino eras tu
mulher, mulher, mulher do meu encanto,
Quero o meu nome ou o teu nome.

Mas dança, dança, dança p'ra mim
Dança, dança p'ra mim,
À noite, esta noite.


8. ESTOU DE PASSAGEM

Dá-me abrigo por esta noite
dá-me abrigo por esta noite,
Procuro conforto no teu cobertor
a noite prepara jogos de amor,
Febre que sobe e acende a fogueira
entre as chamas vivas da fogueira.

Dói-me cá dentro ao certo não sei
dói-me cá dentro ao certo não sei,
Dói-me o inferno da minha arte
dói-me o silêncio da tua carne,
Feito sossego nas minhas mãos
é quente o silêncio das tuas mãos.

Dá-me um bilhete p'ro inferno.

São línguas de fogo que entram no corpo
são línguas de fogo que entram no corpo,
São noites de assombro e descoberta
em busca da vida estou de passagem,
Parto contigo na minha bagagem
parto sozinho p'ra longa viagem.

Dá-me um bilhete p'ro inferno.


9. PERSONA NON GRATA

Desde os bancos da escola
na rua em que cresci,
Aprendi a desarmar
as armadilhas que vi.

Com ideias em chamas
e nuvens no olhar,
Fui cortando as amarras
conversando sem falar.

Rola, rola, persona non grata
Rola, rola, persona non grata.

Dei comigo homem feito
entre bonecos de palha,
Uns políticos suculentos
outros figuras mutiladas.

Ah, não me calem a voz
vou destruir a desgraça,
Que essa marca lusitana
francamente não me agrada.

Rola, rola, persona non grata
Rola, rola, persona non grata.

Farto da espera
e de aguentar,
Abram-me as portas
que eu vou entrar.

Rola, rola, persona non grata
Rola, rola, persona non grata,
Persona non grata, persona non grata.


10. CAVALOS DE CORRIDA

Agora, que a corrida estoirou
e os animais se lançam no esforço,
Agora, que todos eles aplaudem
a violência em jogo.

Agora, que eles picam os cavalos
violando todas as leis,
Agora, que eles passam ao assalto
e fazem-no por qualquer preço.

Agora, agora, tu és um cavalo de corrida.

Agora, que a vida passa num flash
e o paraíso é além,
Agora, que o filme deste massacre
é a rotina Zé Ninguém.

Agora, que perdeste o juízo
a jogar esta cartada,
Agora, que galopas já ferido
procurando abrir passagem.

Agora, agora, tu és um cavalo de corrida
Agora, agora, tu és um cavalo de corrida.


11. CONCERTO

Dedos amarelos
afinados em dó maior,
Cigarros de pontas breves
espalhados no auditório.

Luz que entra pelas alturas
e conduz à histeria,
Olhos fixos à procura
do profeta da rebeldia.

Soutien preso à pele
entre os amigos gritando,
Corpo aberto à ternura
da música deste concerto.

Bem bebidos de brilho nos olhos
avançaram sedentos,
Exigindo matar a fome
pelo preço de um bilhete.

Angústias ou ramos de flores - olá
Suando, sangrando, sei lá - olá
Oiço palmas, uivos, risos brancos sinceros - olá
No caudal que se vai - olá
E o rio está seco - olá
O concerto no fim - olá
Regressemos à sobrevivência...


12. RAPAZ CALEIDOSCÓPIO

Um intelectual de ar estafado
um homem de faces cavadas na noite,
Cruza o Bairro Alto no silêncio dos ténis claros
em passos largos de dança.

Ele é um duro como rock
fã da violência,
E olha a vida pelos óculos
gingando cadência,
Veste cabedal que é napa preta,
Heyahoh la la la.

Quando a fome aperta
ele toma o caminho da fábrica ou do estaleiro,
E na próxima fuga entra na pele do animal
que o torna agressivo, reputação ideal.

Ele é um duro como rock
fã da violência,
E olha a vida pelos óculos
gingando cadência,
Veste cabedal que é napa preta,
Heyahoh la la la.


13. MODELO FOTOGRÁFICO

Centelha de fogo
corpo bronzeado,
Lábios vermelhos
sorvendo um gelado.

Esta é a imagem
do anúncio de cartão,
Nua, sexy, de papel
despertando a ilusão,
Oh, oh, oh.

Ela é a mulher
que tu queres apanhar,
Deste lado da vida
onde andas a pairar.

E quando ela se despe
baloiçando carne viva,
Meio mundo fecha os olhos
e no sonho se excita,
Oh, oh, oh.


14. RUA DO CARMO

Rua do Carmo, rua do Carmo
mulheres bonitas subindo o Chiado,
Mulheres alheias, presas às montras
alguns aleijados em hora de ponta.

Olha como é a rua do Carmo
Olha como é a rua do Carmo.

Jornais que saem do Bairro Alto
putos estendidos, travando o passo,
Onde o comércio cativa turistas
quem come com os olhos já enche a barriga.

Olha como é a rua do Carmo
Olha como é a rua do Carmo.

Soprando a vida passam estudantes
gingando as ancas, lábios ardentes,
Subindo com pressa abrindo passagem
chocamos de frente, seguimos viagem.

Olha como é a rua do Carmo
Olha como é a rua do Carmo.


15. HESITAR

A noite convida, na noite se agita
o vulto esquivo de uma mulher,
Querer tocá-la, saber tentá-la
contar-lhe histórias de comover.

Hesitar, hesitar
Não, não consigo evitar
Evitar, hesitar.

Do lado quente, do Sol nascente
se tu quiseres o fogo a arder,
Do lado quente, se for bem quente
pode doer, doer a valer.

Hesitar, hesitar
Não, não consigo evitar
Evitar, hesitar.

É como se a espera
fosse o gozo maior,
E eu a fera
incapaz de melhor.

Hesitar, hesitar
Não, não consigo evitar
Evitar, hesitar.

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